Eis
que, surpreendentemente, nos preparamos para conhecer o sexto papa do
Concílio Vaticano II. Tendo já ultrapassado a marca dos 50 anos do seu
início (1962), não podemos dizer que as coisas, no meio dessa crise,
sejam previsíveis. Ainda há espaço para sustos e surpresas.
O
papa Pio XII morreu em outubro de 1958. Com ele morria uma visão ainda
tradicional da vida da Igreja, da moral, da liturgia, dos dogmas e da
influência impressionante que a Igreja mantinha há dois mil anos sobre
os caminhos da humanidade. Mesmo sendo constantemente perseguida e
maltratada, os maus não conseguiam avançar sem freios e sem limites,
porque havia uma palavra divina, um homem vestido de branco, sentado na
Cátedra de S. Pedro, e que servia de consciência para todos os povos,
para governantes e súditos, mesmo quando estes já não eram mais
católicos.
Não
que fosse obedecido e amado. Mas era uma referência, e o mundo não se
entregava ao mal sem temer a condenação que viria da Igreja. Com isso, a
decadência era contida; seguia seu curso, é verdade, mas em ritmo mais
lento.
Foi
eleito, então, para o trono de São Pedro, o cardeal Roncalli, o papa
João XXIII. Descrito por seus historiadores como um homem simples,
amigável, quebrando protocolos, conversando com todos, ficou conhecido
como o “bom” papa João. Na verdade, seu espírito ecumenista data de
muito tempo, como aparece em suas atividades de jovem bispo, na
Bulgária, quando iniciou relações com os ortodoxos daquele país, ou em
Paris, como Núncio. Em suas encíclicas, João XXIII dará provas de um
pensamento liberal e equivocado, ao tentar assimilar as tendências de um
mundo socialista para torná-lo aceitável dentro de uma doutrina
católica que, para ele, devia ser aberta e tolerante. O resultado são
textos dúbios, calcados em preocupações temporais de certa paz e de
concórdia, isentas das exigências próprias do reinado social de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Desenvolvia assim temas caros à maçonaria, como
direitos humanos, dignidade da pessoa e afins, que fugiam completamente
das preocupações espirituais de um catolicismo tradicional, voltado para
a defesa do depósito da fé e da Revelação sobrenatural.
João
XXIII fará, então, a convocação do Concílio Vaticano II, e depois de
propagar como finalidade a não condenação das heresias modernas, desejou
um concílio voltado para conversas pastorais, troca de experiências e
um otimismo beato sobre o futuro da Igreja. Pior do que isso foi a
cumplicidade do chefe da Igreja com os revolucionários que tomaram de
assalto o Concílio, sob a batuta do Cardeal Lienart. Logo no início do
Concílio, este prelado exigiu a substituição dos textos já preparados
para debate, por outros, liberais, que um grupo de bispos já havia
preparado em segredo e por debaixo dos panos. João XXIII aceitou tal
revolução, assim como aceitou outras que viriam em seguida, dando a
esses progressistas da Aliança Europeia o domínio completo das ações do
concílio.
No
meio de tantas ambiguidades, aberturas e revoluções, não se pode
admirar que o Concílio Vaticano II tenha estabelecido uma nova religião
dentro de Roma e na alma do povo católico. O resultado terrível foi a
perda da fé generalizada, a destruição da doutrina tradicional da
Igreja, e a diminuição constante da sua autoridade moral e espiritual
sobre os desígnios da humanidade.
Apesar
de ter escrito textos com ideais maçônicos, visões naturalistas sobre a
vida social e política, de ter mesmo mantido certas relações com a
maçonaria, não se conhece provas cabais de que tenha sido, ele próprio,
maçon. Não nos parece fonte fidedigna um ou dois livros escritos por
maçons, onde se afirma tal relação. Claro está que interessa a esta
seita secreta vangloriar-se de ter tido um papa no seu grêmio, o que
tira desses autores qualquer valor histórico.
O
cardeal Montini era Patriarca de Milão quando foi eleito no lugar de
João XXIII. A porta do erro e da decadência tinha sido entreaberta por
João XXIII, ela será escancarada por Paulo VI. Quando trabalhava na
Secretaria de Estado do Vaticano, o bispo Montini recebera um castigo
grave por ter mantido contatos com os comunistas de Moscou nas costas de
Pio XII. Será afastado de Roma. O erro de Pio XII foi ter dado a este
bispo desobediente uma diocese cardinalícia, mesmo não tendo recebido
esta honraria do papa Pacelli. Será cardeal no 1º consistório de João
XXIII, abrindo caminho para a sua eleição, poucos anos depois.
Com
Paulo VI a Igreja verá um tempo de destruições. Todo o belo edifício
doutrinário e sacramental da Igreja será demolido. Não sobrará pedra
sobre pedra. Todos os sacramentos serão reformulados segundo o novo
espírito, a missa nova será assinada, sendo mais um culto protestante do
que verdadeira missa; a disciplina eclesiástica será tão mitigada que
os escândalos sexuais começarão a surgir de todos os lados. A fé será
ultrajada, com padres e bispos deturpando a divindade de Nosso Senhor, a
perpétua virgindade de Maria, a natureza da revelação, a sacralidade
dos ritos e sua eficácia. Enfim, tudo será abalado. A destruição será o
resultado de um grande terremoto religioso. E o povo fiel perderá a fé
sobrenatural e até mesmo a noção do que seja essa fé.
De
João Paulo I só podemos dizer que deu a impressão de querer reverter o
quadro de destruição, senão na questão de fé, pelo menos nas influências
maçônicas dentro do Vaticano. Não teve tempo. Seu pontificado durou 33
dias, e muitos afirmam que foi assassinado.
João
Paulo II dará continuidade à obra do Concílio Vaticano II, cabendo a
ele a reconstrução de todo o edifício destruído por Paulo VI, mas agora
com o novo espírito do Concílio. Terminará a reforma dos sacramentos,
fará um novo Código de Direito Canônico, prosseguirá a reforma completa
da Cúria Romana, publicará o novo Catecismo oficial, nova tradução
oficial da Bíblia, nova Via Sacra, modificando até mesmo o Rosário da
Virgem Maria. Além disso, levará o ecumenismo ao seu ponto mais afastado
da verdadeira fé católica, instituindo os encontros de Assis, onde
todas as religiões enviam seus chefes para rezarem juntos, significando
que pouco importa a religião de cada um. Desse encontro heretizante,
surgirá o que o papa chamou de “espírito de Assis”, um novo espírito que
passa a governar a Igreja de Vaticano II.
Finalmente,
Bento XVI, que ainda é Papa quando escrevemos esse editorial, apesar de
ter tido algumas atitudes mais conservadoras, jamais renunciou à obra
do Concílio, nem mesmo se permitiu diminuir a influência deste sobre seu
pensamento e seus atos.
Suas
encíclicas dão prova dessa influência constante do Concílio, mesmo dos
textos claramente opostos à doutrina católica, como Gaudium et Spes,
frequentemente citado pelo papa. Tomemos como exemplo a primeira
encíclica, Deus Caritas est, onde Bento XVI envereda por certa tese
acadêmica sobre a noção de amor. Mas não consegue se livrar dela ao
abordar a questão do amor como está no Novo Testamento, e faz
comparações do amor divino em termos de Eros e Ágape, no mínimo,
inconvenientes.
Essa
tendência intelectualista de escrever teses aparece também nas demais
encíclicas do papa. Em Spes Salvi, a erudição é grande, mas o espírito
católico fica de lado, jamais encontrando a definição clara do dogma
católico sobre a virtude da Esperança. Em Caritas in Veritate, o papa
faz o elogio da Populorum Progressio, de Paulo VI, sobre a política e
desenvolvimento dos povos, sob o enfoque liberal do Concílio Vaticano
II.
Em
nenhum momento Bento XVI apresenta a doutrina católica pelo seu dogma,
por aquilo que ela tem de imutável e eterno. Sempre reflexões,
aberturas, autores estrangeiros ao catolicismo e mesmo inimigos da fé
são convidados à mesa de “discussões” de Bento XVI. O grande sucesso
desses textos junto aos novos católicos desse mundo de hoje deve-se mais
à imensa ignorância que se tem da verdadeira fé, do que à fidelidade da
doutrina ali contida.
Todos
os seus livros, mesmo aqueles contendo erros graves de tempos mais
progressistas, foram reeditados depois de se ter tornado papa, e jamais
ouvimos de sua boca um sinal de querer mudar o que antes escrevera.
Se,
por um lado, escreveu o Motu Proprio Summorum Pontificum, em 2007,
afirmando que a missa tradicional nunca fora ab-rogada e pode ser
celebrada, não se vê interesse, no Vaticano, em defender a causa de
tantos padres que são perseguidos por seus bispos diocesanos e impedidos
de celebrar a missa de sempre. De certa forma, o Motu Próprio serviu
para confirmar e estender a perseguição, pois ela agora se aplica também
a padres diocesanos mais conservadores.
Mais
tarde, em 2009, teve a coragem de levantar as falsas excomunhões
impostas aos quatro bispos da Fraternidade São Pio X, mas logo se viu
obrigado a dar explicações numa carta que escreveu a todo o clero. Ainda
aqui, Vaticano II era como um manto que cobria todo o pensamento do
papa.
Finalmente,
ordenou que se recebesse uma comissão teológica da Fraternidade S. Pio
X, para debater os pontos de litígio apresentados por esta. Após dois
anos de debates, o impasse impediu que se prolongassem as conversas,
pois os representantes do Vaticano não aceitavam que a doutrina
progressista do Vaticano II se opunha à Tradição católica. Queriam de
todas as maneiras forçar o pensamento em aceitar que Vaticano II estaria
na continuidade da Tradição, mesmo diante de evidentes contradições.
Dessas
conversas surgiram, em 2011-2012, tentativas de um entendimento prático
que daria à Fraternidade um estatuto oficial reconhecido por Roma. Mas
após meses de grandes angústias nos meios tradicionais, o próprio papa
encerrou a conversa, afirmando, em carta pessoal ao Superior Geral da
Fraternidade, que a aceitação do Vaticano II, dos ritos novos, do novo
espírito, era exigência para um reconhecimento da Fraternidade.
Agora,
diante da surpresa da renúncia do papa, nos deparamos com mais uma
grave questão. O tempo todo, Bento XVI se refere ao seu ministério.
Sempre que fala da renúncia, refere-se a esse ministério petrino. Temos a
impressão que os próprios papas desse catolicismo deformado já não
acreditam muito na realidade que lhes foi imposta pelo Divino Espírito
Santo. Falam como se tivessem aceitado uma função, como um acionista de
grande empresa aceitaria ser Diretor Presidente por certo tempo. Aliás,
faz parte da linguagem transformada pelo Vaticano II, chamar a esse
ministério, de “serviço”, o que só vem reforçar essa triste impressão. E
essa constatação nos faz lembrar aquelas palavras antigas de Mons.
Marcel Lefebvre, quando afirmava que nós, os que guardamos a Tradição
contra os detratores da Igreja, somos os verdadeiros defensores do papa e
do papado. Eles próprios já não acreditam mais no poder sobrenatural do
sucessor de Pedro.
Reforça essa questão as declarações do historiador italiano Roberto de Mattei, feitas no site Corrispondenza Romana, ( http://www.corrispondenzaromana.it/considerazioni-sullatto-di-rinuncia-di-benedetto-xvi/
) onde critica duramente a renúncia, classificando-a de
"revolucionária", apesar de contemplada no Direito Canônico. O autor
mostra a diferença de espírito no caso da renúncia de Celestino V, que
tinha sido arrancado da sua cela a contragosto para assumir o papado, ou
de Gregório XII, que renunciou porque alguém precisava renunciar, visto
que havia dois papas, dando assim fim ao grave Cisma do Ocidente.
Jamais, diz o autor, um papa renunciou por não estar bem de saúde, coisa
que a grande maioria dos papas sofreu, antes de falecer.
O
pontificado de Bento XVI não trouxe nenhuma solução aos graves
problemas de fé que assolam a Igreja há décadas. O estilo tornou-se mais
comportado, mais conservador na liturgia, mais intelectual nos
escritos; porém, o naturalismo horizontal, o ecumenismo irenista onde
cada qual encontra o seu deus e se sente bem, o liberalismo político e
social e a oposição constante à Tradição da Igreja, continuaram até o
fim. E a crise não terminou.
Estes
são os papas do Vaticano II. Eles o fizeram, prosseguiram, impuseram ao
povo católico sem se preocuparem se era da vontade de Deus ou para a
salvação das almas. Da noite para o dia, uma missa sem sacrifício e sem
cruz foi imposta, sob penas severas, a todos os padres. Muitas almas
perderam a fé, escandalizadas pelo que viam acontecer na Igreja. Outras a
perderam por terem absorvido o novo espírito de Vaticano II,
tornando-se protestantes sem se darem conta. Paralelamente, o laicismo
invadiu toda a Igreja, causando um esvaziamento impressionante dos
mosteiros e casas religiosas. Muitos conventos fecharam as portas e
foram vendidos para se tornarem museus ou escolas. O número de católicos
foi diminuindo em todo o mundo e já não podemos mais falar de uma
Civilização ocidental Católica, aquela impressionante herança dos mil
anos de Idade Média, que formaram a Europa e o mundo católico.
Enquanto
isso, os papas e bispos, ao longo desses últimos 50 anos, nunca
conseguiram enxergar a realidade do mundo segundo a verdade de Deus. A
todo o momento interpretam os desastres, acidentes, guerras e tudo o
mais com palavras pacifistas, moles, sem eficácia e sem sentido. Raras
vezes atribuem os escândalos ao pecado e nunca se ouve um chefe católico
se preocupar com a condenação eterna das almas. Só falam de uma falsa
paz, só pregam a concórdia nessa vida, só se preocupam com o corpo do
homem e sua felicidade na terra, e de salvar as aparências de certa
“decência” boazinha.
Um
novo papa será eleito. Humanamente não há nada que nos incline a achar
que algum dos cardeais possa vir a restaurar a Igreja e ajudar as almas a
se salvarem. Todos eles, para chegarem onde estão, aderiram de todo o
coração aos desmandos desse maldito concílio que tanto mal trouxe para a
Igreja e para as almas. Estão, pois, certos de que devem continuar a
propagar esse Humanismo com tintas de religiosidade, que tudo
contaminou.
Não
temos preferências. Se for eleito um péssimo cardeal, progressista,
destruidor, as coisas podem ficar mais claras, a evidência da falta de
fé ficaria mais patente, o que nos ajudaria a segurar melhor a espada do
bom combate. Por outro lado, a perseguição se tornaria mais amarga, e
nós teríamos apenas a graça divina como sustento, o que já é nossa
condição há 50 anos. Se for eleito um cardeal “conservador”, veremos as
mesmas ambiguidades atuais perdurarem na Igreja. Cada vez que o papa
falar em latim, ou celebrar uma missa mais conservadora, os blogs
conservadores de plantão darão urras de alegria e dirão que o papa está
restaurando a Igreja.
Mas
Deus vomita os mornos e não aceita que a defesa da sua Igreja seja
feita por homens cegos, ingênuos e débeis. Porque a restauração da
Igreja só poderá ser realizada quando nós merecermos, por nossos
sacrifícios e dores oferecidas, pelas humilhações e perseguições
suportadas, pela constância das nossas orações e das nossas lágrimas.
Somente assim o Divino Espírito Santo realizará o milagre da conversão
de um papa. Sem essa conversão espetacular, espiritual, sem que o papa
entenda na fé, ao menos em parte, todo o enlace da crise atual, não
haverá grandes mudanças no horizonte da Igreja.
Peçamos
a São José, esposo da Virgem Maria, protetor da Santa Igreja, e a São
Miguel Arcanjo, chefe da milícia celeste, que nos permita ver com nossos
olhos, ouvir com nossos ouvidos, o dia abençoado em que tal conversão
chegará ao coração do sucessor de São Pedro.